


Nos passeios de fim de semana com o neto, o avô levava consigo um bloquinho – substituto das palavras que não pronunciava
Joel Silva
Aluno de Jornalismo
“Bom dia”, rabiscou o avô Carlos. Tinha sempre com ele um bloquinho de papel para substituir as palavras que, na impossibilidade de falar, escrevia. E o neto, sorridente, não ousou mais que um sussurro e um movimento de afirmação com a cabeça. Então, de mãos dadas, seguiram rumo a mais um passeio de fim de semana. Arthur sentia-se um guia, ia à frente e garantia que nada pudesse atrapalhar o caminho dos dois. Mesmo com apenas 11 anos, considerava-se o “porto seguro” do avô.
Ao chegarem ao parque, dirigiram-se ao banco de sempre, à sombra de sempre e ao passatempo de sempre. Um “sempre” ao menos para Arthur, que, desde a mais distante memória, recordava-se de brincar no mesmo lugar com o avô. Tal costume fazia parecer que ali era mais confortável sentar-se, que era mais fresca a sombra e o ponto mais inspirador para brincar de caça-palavras. Talvez fosse mesmo, dadas a sintonia e a felicidade compartilhadas entre avô e neto.
Ao chegarem ao parque, dirigiram-se ao banco de sempre, à sombra de sempre e ao passatempo de sempre
Enquanto a tarde passava, divertiam-se procurando palavras no emaranhado de letras. O neto, leitor voraz e amante de desafios, sempre levava vantagem. Mas naquele dia, inesperadamente, o avô estava ganhando. Arthur pensava que era só um dia de boa – ou má – sorte, depende para quem. Quando descobria algo, o neto nunca falava, somente circulava e apontava, como que para equiparar-se à mudez do avô. Já Carlos, a cada descoberta, anotava e virava para uma nova página em branco. “Compaixão”, “Romance”, “Superação” e outras palavras eram anotadas no caderninho. Mas Arthur, de mente quase adulta, não se lamentava de estar em desvantagem. Ficava era alegre pelo êxito do avô.
Palavras iam e vinham, de um lado e de outro. Quando, em um novo momento de descoberta, Carlos lentamente fazia uma anotação. O neto observava, aguardando, quando percebe que uma lágrima escorre pelo rosto do avô. Sem entender, o menino sentiu que tinha de abraçar o progenitor. Mas, antes que o fizesse, Carlos levantou a mão esquerda, sinalizando para que o neto aguardasse. Pegou a caneta e colocou-se a escrever. Quando terminou, mostrou ao neto, que, aos prantos, finalmente abraçou o avô. Arthur pôde enfim compreender por que estava ali e por que era o único a falar. Ficaram colados por alguns minutos e, ao fim do abraço, recolheram o jornal, o caderninho e se preparavam para ir embora quando o neto puxou o braço do avô, para que os ouvidos de Carlos ficassem ao alcance dele, e sussurrou: “Te amo tanto quanto a vovó Lourdes”.
Gentil e sério - até a primeira piada. Adora economia, política e música clássica
Jornal Matéria Prima é produzido por alunos do curso de Jornalismo do Centro Universitário Cesumar - UniCesumar - na disciplina Técnica de Reportagem.
Muito bom, Joel. Parabéns!
Nossa Joel, que lindo seu texto.
Vc escreve bem Joel. parabéns mesmo!