


Texto intransigente impõe regras morais num discurso equivocado e provoca ira no público, obrigando autor se retratar
Giovana Cardoso
Aluna de Jornalismo
“Aliás, a única coisa a lamentar é as organizadoras do “mamaço” não irem um pouco mais longe, exigindo a aceitação geral dos nossos gestos mais naturais e íntimos, que só mentes profundamente reacionárias podem considerar impróprias para consumo geral. A masturbação é um caso: séculos de preconceitos religiosos e culturais inculcaram a ideia tenebrosa de que a masturbação é um erro, um crime, um pecado.”
Extraído do texto “Mamonas Celestinas”, de João Pereira Coutinho, publicado na coluna Diário da Europa de 15/05/2011
O trecho do texto acima não está apenas descrevendo um modo de pensar, também reflete intolerância e certo desconhecimento de causa. Seu autor, um renomado colunista de um dos portais de notícias mais acessados da internet, expôs no texto a pouca sensibilidade e muita falta de respeito com seu próprio público. Fez pensar que um homem culto e experiente no ato de escrever, pode mostrar-se retrógrado e não se dar conta da responsabilidade, do peso das suas palavras.
Não é à toa que existem inúmeras campanhas a favor da amamentação, pois a desnutrição é um dos maiores problemas no Brasil. A Semana Mundial da Amamentação que ocorreu dos dias 1º a 7 de agosto existe desde 1992 e é realizada em mais de 150 países, segundo portal do Ministério da Saúde. Os benefícios do aleitamento materno vão desde suprir todas as necessidades nutritivas da criança, até fortalecer o vínculo mamãe e bebê.
Não haveria necessidade de repetir esses dados. Teoricamente todos sabem, apesar de alguns ignorarem. As dificuldades na hora de amamentar é que geram necessidade de constante repetição. Quando se é mãe, um mundo novo se abre para essas mulheres, principalmente para mamães de primeira viagem, por exemplo, e elas precisam de apoio.
Pensando nisso, a própria Organização Mundial da Saúde propôs dez passos para apoiar as mães nessa hora, e um deles é: “Encorajar a amamentação sob livre demanda”. E o texto do jovem historiador não foi nem um pouco encorajador. Abusou do que ele chama de ironia. Aliás, deu a entender que esse direito foi claramente desrespeitado, pois expressões pejorativas num discurso improdutivo só geram desserviço à saúde pública. Pois oras, se é vergonhoso, imoral ou constrangedor uma mulher amamentar em público, quem delas se atreveria a transigir tais “regras” ditadas por pessoas que com seu olhar ou suas palavras se impõem de modo tão austero?
Mas João Pereira Coutinho se retratou e disse que tudo não passava de um mal entendido, uma brincadeira irônica. No dicionário Aulete, a palavra ironia quer dizer, entre outros sentidos, “mostrar irritação em que se declara contrário do que se pensa”. É aí que muitos escritores se perdem, pois a ironia sem fundamentação confunde o leitor por mais intelectual que este seja.
Não há como não ser literal quando o que está em jogo é o que mais se preza no momento, o ato de amamentar. Nesse caso a preservação da imagem deveria estar mais nos olhos de quem vê do que de quem está se “expondo”.
Jornal Matéria Prima é produzido por alunos do curso de Jornalismo do Centro Universitário Cesumar - UniCesumar - na disciplina Técnica de Reportagem.